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A Drogadição Solapa o Livre-Arbítrio

A Drogadição Solapa o Livre-Arbítrio

Mark Moran
Psychiatric News July 6, 2007
Volume 42, Number 13, page 16
American Psychiatric Association
Traduzido por Eduardo Rudge

Nora Volkow, Diretora do NIDA (National Institute on Drug Abuse) relata as últimas descobertas relacionadas ao cérebro nas Dependências Químicas, apontando um quadro bem mais sofisticado do que aquele que os próprios pesquisadores haviam observado.

A Dependência Química e a perda progressiva do controle comportamental que a acompanha são o resultado de transformações que ocorrem em múltiplas regiões cerebrais.Assim foi exposto por Nora Volkow, MD, Diretora do NIDA, em uma palestra sob o título “A Neurobiologia do Livre-Arbítrio”, proferida no Encontro Anual da APA (American Psychiatric Association) 2007.
As mudanças ocorrem inicialmente pelo aumento anormal de dopamina provocado pelo uso de drogas aditivas, podendo afetar a memória, a atenção, a regulação da impulsividade e as funções executivas.
O que Volkov mostrou foi a recente hipótese da Dependência Química condicionar-se à neurobiologia do livre-arbítrio, em contraposição com a idéia anterior, desde 15 anos atrás, de que ela fosse resultado de uma hiperatividade da dopamina nos sistemas de recompensa.
Em vez disso, estão envolvidas várias regiões cerebrais, em conjunto, que se tornam progressivamente comprometidas :
      giro anterior cingulado, que governa a atenção e regula a impulsividade.
      córtex pré-frontal orbital, mediador da tarefa de avaliar o estímulo ambiental.
      córtex pré-frontal lateral dorsal, que governa as funções executivas e decisórias.


Temos um quadro complexo de comprometimento de sistemas interativos cerebrais, correspondendo nitidamente ao quadro clínico progressivo das adicções.
Cada região cerebral compensa outra da tal forma que nos estágios iniciais da dependência, quando os danos causados pelo aumento da dopamina ainda são pequenos, o indivíduo ainda possui algum controle sobre as sua ações, mas com a continuada administração da droga todos esses sistemas acabam progressivamente por se destruir, de tal forma que nos últimos estágios da dependência o indivíduo já não mais apresenta o seu poder de escolha e livre-arbítrio.

Nós temos aí uma doença que envolve a destruição de alguns sistemas do cérebro os quais, de certa forma, são capazes de compensação mútua, mas quando a patologia atinge vários sistemas, então a capacidade de compensação fica abolida e a dependência corrói e destrói a vida do indivíduo.
A dopamina tem sido reconhecida por algum tempo como o elemento chave da dependência, pois todas as drogas de abuso aumentam dramaticamente os seus níveis no cérebro. Até recentemente acreditava-se que a dopamina agisse nas áreas límbicas do cérebro associadas sempre à recompensa e ao prazer.
Valkow explica que não é somente o prazer, mas a “saliência” : a dopamina sinaliza a percepção cerebral do estímulo originado pelas circunstâncias ambientais importantes para o indivíduo. Assim, tanto os estímulos naturais como alimentos, sexo e dinheiro, como os estímulos aversivos como a percepção do perigo, o medo, também aumentam o nível de dopamina no cérebro..
Mas o álcool e outras drogas constituem-se em estímulos ainda mais vigorosos, inundando o cérebro com dopamina a níveis suprafisiológicos e terminando por destruir múltiplas regiões cerebrais. 
O que as drogas fazem é exatamente o mesmo que a natureza nos faz para responder aos estímulos do meio ambiente, porém as drogas o fazem de forma muito mais poderosa. Volkow diz: “acredita-se que grandes aumentos na sinalização provocam alterações plásticas no cérebro, as quais sustentam o consumo compulsivo.”

A sub-ativação do Sistema Dopamínico

Pela colocação anterior (dopamina trabalhando primordialmente sobre os centros cerebrais de recompensa), era de se acreditar que os adictos experimentassem uma sensação maior de recompensa e prazer, Mas Volkow apresentou estudos realizados em princípios dos anos 1990 que, de fato, usuários de cocaina, aos quais foram ministradas injeções endovenosas de metilfenidato (uma substância aproximada à cocaina) sentiram o efeito eufórico menos intenso (ao mesmo tempo em que apresentaram “craving” pela droga) do que o sentido pelos indivíduos controle.
De mais a mais, muitos estudos atuais comprovaram o surpreendente fato de que os dependentes de cocaina têm menores níveis de receptores D2 de cocaina do que os indivíduos controle, diz ela.
Isto leva a uma nova visão – não que os adictos estivessem experimentando maior prazer com a droga de abuso, mas que eles são menos sensíveis aos efeitos da dopamina, e assim procuram a droga pela maior potência com que elas aumentam o nível de dopamina no cérebro, muitas vezes em detrimento de estimulantes naturais que não aumentam a dopamina tão dramaticamente. Esta é a explicação neurobiológica do fenômeno da “diminuição de efeitos” que os adictos relatam e que clinicamente são exigidas cada vez mais droga para se obter o mesmo efeito..
O dependente de cocaina não usa a droga porque ela lhe dá mais prazer, diz Volkow. De fato, está provado que o sistema de recompensa no cérebro está enfraquecido. O indivíduo procura a droga porque ela é suficientemente poderosa para ativar esse sistema.
Confirmando esta proposição Voçkow cita um trabalho onde ratos induzidos ao consumo de álcool e treinados em gaiola com alavanca para abastecimento dessa substância, apresentaram tal consumo diminuído drasticamente quando injetados com um adenovirus transportador de receptores D2 .
Um aumento de receptores D2 diminui consideravelmente o consumo de álcool. Volkoe diz: “isto é fascinante, porque se nós pudermos desenvolver estratégias para aumentar o número de receptores D2 nós seremos capazes de estabelecer intervenções para prevenir as pessoas quanto ao uso de drogas.”
Nós possuímos em nosso cérebro o sistema dopamínico para que possamos responder aos estímulos externos, funcionando como uma comunidade terapêutica cujas intervenções propiciem um aumento dos receptores D2, diz ela.

Função executiva abalada

Outro achado relacionado ao quadro clínico das dependências é que a dopamina pode ser liberada no cérebro como resposta a “estímulos condicionados ao abuso de drogas”.Volkow relatou os resultados de um estudo seu e col., publicado em Junho 2006 no Journal of Neuroscience, no qual foram medidos e constatados aumentos nos níveis de dopamina nas regiões do striatum cerebral em 18 usuários de cocaina quando assistiam a um vídeo apresentando manobras de preparo e administração de cocaina, enquanto que, quando novamente assistiam a um vídeo neutro, da natureza,  tal aumento da dopamina não ocorria. Ainda mais, a magnitude do aumento estava significativamente associada a uma sensação de “craving” narrada pelos usuários. Eles não estavam usando a cocaina, disse ela: "-apenas observando alguém em uso. Isso, por si mesmo, foi capaz de aumentar a dopamina nas regiões do striatum."
 “Isto é clinicamente muito importante porque, nós sabemos, os pacientes reagem quando se encontram em ambientes onde as pessoas usam drogas”. “Esta é a essência da resposta condicionada e torna o tratamento da adicção um árduo desafio”.
O estrago causado pela adicção no cérebro estende-se também ao córtex pré-frontal, às áreas que regulam as funções executivas e à habilidade de adaptar o comportamento sob novas circunstâncias.
Em Janeiro de 1999  Volkow e col., em publicação do  American Journal of Psychiatry, mostraram que o metabolismo da glicose está diminuído nos usuários de cocaina, em comparação com os não usuários. Em outro trabalho eles estabeleceram que, nas regiões estriais do cérebro de abusadores de cocaina e de metanfetamina, há uma correlação entre o metabolismo da glicose e o número de receptores D2 .
Em Setembro de 2006. em artigo no Archives of General Psychiatry, mostraram que, em indivíduos não alcoólicos, mas com história familiar de alcoolismo, o nível de receptores D2 era mais elevado do que em pessoas não alcoólicas e sem história familiar de alcoolismo, e estava associado ao metabolismo da glicose no córtex orbitofrontal, no giro cingulado e no córtex pré-frontal dorsolateral,
De acordo com esse trabalho, os achados sugerem que a presença de receptores D2 pode indicar uma função protetora.
Isso evidencia a importância do córtex orbital frontal na nossa habilidade em regular os comportamentos que são inicialmente induzidos pelas drogas, mas, em seguida, por respostas condicionadas, diz a Dra. Volkow.
Quando, ao seu tempo, essa capacidade for perdida pelos efeitos da adicção, o comportamento deixará de ser adaptado em função das circunstâncias, tornando-se extremamente difícil para o adito mudar o seu comportamento, mesmo quando cognitivamente ele compreenda que daquela forma podem lhe advir más conseqüências.
Ela concluiu sugerindo que a possibilidade clínica para aplicação desses achados repousa nas intervenções psicoterapeuticas e farmacológicas destinadas a reforçar os sistemas de todas aquelas áreas cerebrais afetadas pela dopamina.
“A dopamina não está envolvida só com a recompensa ou previsão de recompensa, aprendizado e memória, mas também com a motivação e funções executivas através da regulação da atividade frontal” – disse a Dra. Volkow. 

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